quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Diário de um ULTRA - Novembro de 96



ON THE ROAD OF... BRITAIN!

- Sábado, 8 horas da manhã, em férias. Eu encontrava-me já fora da cama, um motivo forte e válido?
- Futebol, pois é claro!
Não é fácil arranjar bilhetes para ver um jogo da "Premier League". Os clubes vendem-nos por temporada, poucos são os que não esgotam os ingressos antes de a época iniciar. Na noite anterior bem bebida em South Kesington (Bairro de Londres), o Jerry, um fan incondicional do Chelsea, um dos clubes londrinos, combinou comigo para o dia seguinteirmos procurar um "spear ticket", a única forma de ir ver o jogo é conseguir um bilhete de alguém que o tenha comprado e não possa ir ver o jogo, por isso convém ir de manhã bem cedo no intuito de o apanhar, que por acaso foi-me vendido ao preço que estava marcado, 20libras, aproximadamente 5contos (Hoje 25euros).
Sem querer parecer o "Gabriel Alves", os adeptos do Chelsea caracterizam-se por pertencerem na sua maioria à classe operária, com o seu aspecto "cogney", e de residirem na sua maioria nos bairros de Chelsea, South Kesington e Victoria.
Depois de ter conseguido o tão desejado bilhete, por volta das 11 horas, fomos trincar qualquer coisa e em seguida para um Pub, a 500metros do estádio, beber umas Guiness e falar, pois é claro, de Futebol. O Jerry contou-me o que mudou essencialmente no futebol inglês de alguns anos para cá. Uma das coisas que falámos foi dos dirigentes desportivos, e da maneira como eles conseguiram transformar a massa anónima do futebol em sociedades anónimas, um pouco o que aconteceu em toda a Europa (Espanha, Itália, França, etc...) e que mais tarde ou mais cedo vai acontecer em Portugal, como por exemplo o projecto do Sporting em que os adeptos deixarão de ser associacos clubísticos e passarão a ser sócios capitais.
Com o passar dos minutos o Bar encheu, e deixámos a conversa pois já se encontravam dezenas de adeptos a cantar e a "discutir". Estranho. Por segundos senti-me em casa, caí naquele lugar comum dos momentos antes dos jogos em que se canta a sair do autocarro e do comboio, se fuma mais um cigarro antes da explosão de ver a equipa a entrar em campo.
O Jerry já não aguentava mais, estava nervoso, decidimos então por nos dirigirmos para o estádio. Um metro antes começo a aperceber-me das famosas condições de segurança de que tanto se fala, como polícia montada, câmaras de video, e depois de se passar o primeiro cordão policial deixa-se de poder ingerir alcóol (o único aspecto negativo!).
O Stamford Bridge não se encontra na sua melhor forma, um dos antigos topos foi demolido e no seu lugar vai renascer uma bancada com instalações hoteleiras. Começaram os problemas para mim, um dos "Stuarts"(nome dado aos seguranças do clube, aqueles que nos resumos televisivos vemos de colete laranja) impediu-me de entrar com a máquina fotográfica, e lá tive eu de a ir entregar num dos carros fixos dos polícias.
Com o início do jogo iniciaram-se os cânticos, que ao contrário das nossas curvas surgem espontaneamente não sendo necessário nenhum desgraçado gritar no megafone até ficar roxo para que alguém cante um cântico durante alguns segundos. Tudo faz parte de uma maneira de estar na vida, é tão natural como o acto de respirar.
Dentro das quatro linhas, algumas caras conhecidas de todos os amantes do Futebol como por exemplo o avançado Vialli faziam as delícias dos espectadores tratando a bola por tu, extorquindo dos expectadores as mais fantásticas exclamações que alguma vez ouvi num estádio de futebol. No fim do jogo com o golo do empate os adeptos do Nottingham acordaram e lá estiveram uns minutos a fazer a sua festa.
O futebol inglês é mais do que um jogo, assemelha-se a uma religião primitiva, que imprime aos seus adeptos uma maneira muito peculiar de estar, como quem vai a uma celebração religiosa. Ainda encontramos a família no futebol, que se desloca ao estádio para adorar os seus Deuses. Não é por acaso que a camisola do Cantona por cima do número que o identifica diz "GOD". Não é por acaso que quem diz que o futebol é uma questão de vida ou de morte, diz mentiras, porque é muito mais do que isso, o Futebol Inglês continua num dos seus aspectos fiel aos primórdios, continua servilmente a ser uma grande celebração, onde o golo é pão da vida, passo o termo, orgasmos partilhados por uma massa que se identifica com as suas filiações clubísticas que expressa a sua maneira de estar na vida.
Acabando à la Fábio Bruno, pena que agora os ultras que pensam e fazem coisas úteis pelo movimento tenham que sentir vergonha pelo que fazem só porque alguns ultras preocupados em questões de estatística  da pedrada os incriminem por pensar e expressar a sua opinião. Pena é que não exista um Fabio Bruno em cada um de nós. Refiro apenas que um dos motivos de orgulho para qualquer adepto do Chelsea é a sua amizade com os adeptos do Glasgow Rangers, que é considerada a mais terrível das ilhas de Sua Majestade.

Pipa
Revista SUPER ULTRA, Novembro de 1996


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